O Jornalista Salva-se Recorrendo ao Exagero
O jornal é, de certo modo, o teatro histórico ao domícílio, obrigado a fornecer em cada número a ração de terrível e ridículo necessária para conciliar a digestão ou o sono dos seres aos quais nunca acontece nada.
Por conseguinte, o jornalista tem de recorrer continuamente ao exagero, mas sobretudo à hipérbole e, se for caso disso, à invenção.
Compete-lhe vencer, à força de fantasia e literatura amplificadoras, a espantosa uniformidade da vida humana.
Todos os dias, desde milénios, sucedem uns tantos assassínios, suicídios, roubos e incêndios - os nomes dos protagonistas e lugares mudam, porém as causas e formas são sempre, eternamente, quotidianamente, as mesmas.
O jornalista salva-se recorrendo ao exagero. Sob a sua pena, tudo assume um aspecto trágico ou satírico.
Todo o terramoto que faça ruir duas casas é um cataclismo de que não há memória outro igual, uma rixa entre bêbados uma «luta na via pública», uma manifestação de mendigos «uma revolta», a assinatura de um tratado «uma data histórica», um orogotango amestrado «um milagre da ciência».
Todo o aviador que fractura a coluna vertebral é um «herói da mais elevada estirpe», todo o transbordo de rios a «segunda edição do Dilúvio», toda a prostituta que mata ou se mata a protagonista de um «novo drama de amor».
Os homens, na sua maioria sádicos, querem que o jornal lhes satisfaça o sadismo íntimo, pelo que tem de localizar, de país para país, todo o abrutalhado e malévolo que existe e apresentá-lo ainda mais bruto e mau.
Se há uma mulher de permeio, ou é possível fingir que há, junta ao bruto um pouco do porco: o famoso binómio romântico - amor e morte - traduz-se facilmente em sangue e esperma.
Giovanni Papini, in 'Relatório Sobre os Homens'
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